O herdeiro de Shesta -Capitulo um-

| Monotonia|

Uma tempestade caia sobre a cidade de Santa Catarina, hoje completaria uma semana de tardes iguais a essa. Fora a chuva forte tudo parecia normal. Thiago estava passando aquela tarde chuvosa em casa assistindo Tevê, como sempre fez mesmo em dias de sol. Tinha dezesseis anos, mas sempre diziam: “dezesseis anos? Achei que tivesse dezoito”, Ele estava completamente acostumado com esse tipo de comentário, a barba rala sempre incomodava quem o beijasse no rosto, os olhos eram bem escuros, tão escuros quanto seu cabelo liso que se dividiam no meio da cabeça, as mechas de cabelo chegava até a orelha. Ele ficava ali, sentado no sofá, parado, até pegar no sono.
Thiago acordou no mesmo dia as onze e trinta e cinco da noite, muito cansado, levantou e foi até a cozinha buscar algo, algo que nem ele tinha idéia do que era; talvez tivesse ido apenas por costume, chegou cambaleando e foi até a geladeira, abriu-a e ficou olhando por três minutos.
- Droga- disse sonolento.
Foi até seu quarto no andar de cima, subindo lentamente às escadas, caiu na cama e dormiu. Um sono sem sonhos.
No dia seguinte às uma e meia da tarde, Thiago já estava de pé e em frente ao seu portão pronto para ir à escola. Sua casa não era muito grande, mas, maior que as outras da Rua, Ela se destacava, pois era a única com uma cor diferente das demais, verde escuro. Todas as outras eram amarelas. Outra coisa que destacava a casa de Thiago era o fato de que era a única que não tinha gramado na frente.
Ele estava esperando por alguém, dava pra ver em seu rosto uma expressão impaciente.
- Droga de garota!- exclamava ele enfurecido. – “Espere por mim em frente sua casa para irmos à escola” – imitou. Quinze minutos depois a garota que ele esperava estava se aproximando.
Ela tinha os cabelos negros, mas, havia pintado recentemente as pontas de roxo. Os olhos
azuis bem claros. Tinha dezesseis anos, mas com cara de... De... Dezesseis oras! Ela não estava sozinha, tinha uma garotinha segurando a ponta da camisa preta dela, era Ângela Muller de dezesseis anos, e a pequena Joice de dez.
-Atrasada- Disse Thiago- por que demorou tanto?
-Isso não lhe diz respeito- Ângela sempre foi uma garota fria e com respostas na ponta da língua – Essa é a Joice, é o primeiro dia dela na nossa escola.
Joice deu um sorriso simpático de orelha a orelha. – Prazer- disse ela, provando com sua expressão que tinha realmente muito prazer em conhecê-lo.
- Ângela!- esbravejou Thiago- É o primeiro dia da garota e você já faz com que ela se atrase –Thiago disse indignado, mas, se preocupando mais com seu atraso do que com o da Joice.
- Tudo bem, em que ano você está?-Perguntou Joice- Ângela disse que você é da mesma sala que ela, repetiu alguma vez?
-Segundo ano, Joice. – Respondeu Thiago – não repeti nenhuma vez.
- Qual é sua idade?- Joice perguntou confusa.
-dezesseis- Disse Ângela rindo sorrateiramente.
- dezesseis anos? Achei que tivesse dezoito- disse Joice boquiaberta. Eu não falei?
-Vamos logo, não quero me atrasar mais do que já me atrasaram- Disse Thiago ignorando o comentário da garotinha, olhou para Ângela, fitou-a por mais tempo com cara de “não gostei de me atrasar” e foi na frente.

Na escola todos estavam rezando para que não chovesse antes que chegassem em casa,estavam cansados de se molhar.Thiago estudava na mesma sala que Ângela,não que ele gostasse da idéia de dividir a sala com uma garota que vivia irritando-o, mas ele não pôde escolher. Ele se sentava em uma das cadeiras dos fundos, do lado da janela. Ângela sentava na cadeira à sua frente, e tinha um garoto magricela com um cabelo castanho enorme e espichado pra cima, parecendo uma juba de leão, que, aliás, vivia sendo zoado por isso, ele era o melhor amigo de Thiago, seu nome era Vitor e se sentava bem atrás de seu amigo.
- Oi Vitor- disse Thiago sentando-se – Tudo bem com você?
- Por enquanto sim- disse Vitor suspeito- porque se atrasou? Tem sorte de ter entrado bem na hora em que a professora Lurdes foi chamada pela diretora.
-Esperei por ela de novo- disse Thiago apontando o dedo indicador para a garota à sua frente.
- Entendo-
-Ela veio com uma garotinha... É... Joana eu acho.
Ângela olhou pra trás e disse: é Joice. Que grande amigo é você, não posso contar nem com sua memória?
Vitor inclinou sua cabeça para poder ver Ângela.
- Uma amiguinha nova? Espero que seja confiável. Qualquer um pode ser um assassino hoje em dia.
-Ela é só uma garotinha- disse Thiago com uma expressão incrédula- como pode desconfiar de uma garotinha?
-Nunca se sabe- respondeu Vitor.
-Idiotas, fiquem quietos pra eu gostar um pouco mais de vocês, vai? –disse Ângela em tom de desdém- não banquem os idiotas perto da garota está bem? Ela acabou de se mudar pra minha rua, não quero que os pais dela venham falar com os meus dizendo “os amigos da sua filha andam irritando a Joice” eu não...
mas foi interrompida antes que pudesse terminar sua frase. A Professora Lurdes acabara de entrar na sala gritando com raiva, reclamando sobre o barulho que os alunos faziam em sua ausência. As três primeiras aulas foram seguidas de um completo silencio até chegar o momento que todos os alunos esperavam. O intervalo. Ninguém agüentava mais aquele silencio, com exceção talvez de uma aluna só, Ângela, ela nunca gostou muito de barulho, principalmente vindo de pessoas que não gostava. Ela tinha motivos pra isso, você no lugar dela sentiria a mesma raiva,muita bagunça,deixaria até a pessoa mais calma impaciente. O sinal bateu e todos saíram da sala, em menos de um minuto todos já estavam no pátio, os últimos a saírem foram os três amigos.
-Sabe, quero fazer algo novo, algo que me tire desse tédio, vocês também querem sair dessa rotina, estou certo?- perguntou Thiago desanimado.
-foi a primeira coisa sensata que disse hoje Thiago- disse Ângela no mesmo tom de desanimo- e concordo.
-Eu também - concordou Vitor - os dias tem sido muito chato ultimamente.- Queixou-se ao amigo.
-Eu- Disse Vitor sorrindo – Estou pensando em aprender a tocar algum instrumento, uma guitarra talvez.
Foram para fila da cantina ver o que poderiam comer sem ter que vomitar depois,os alimentos que serviam aos alunos tinham passado por uma mudança drástica desde que o diretor foi substituído ano passado.
Antes mesmo de chegar sua vez, Thiago já sabia o que tinha pra comer , só pelo cheiro ele sabia que era o mesmo que vinham dando a semana toda.
-ah... Outra vez não- reclamou Thiago mais desanimado ainda.
-eles querem matar a gente! Tenho certeza –reclamou Vitor impressionado- já é a quarta vez essa semana! Ainda bem que amanhã é sexta, nunca fiquei tão feliz em saber que vou faltar numa sexta pra ir à casa da Tia Rita.
-Se não querem, ao menos peguem o suco, não quero ter vindo aqui por nada- Disse Ângela pegando o suco da mão de uma das merendeiras e se virando para procurar um lugar pra sentar.
Avistou o lugar mais afastado dos encrenqueiros, e caminhou até lá indo na frente dos outros dois. Vitor e Thiago cochichavam algo enquanto andavam bem devagar, provavelmente sobre as curvas da amiga. Sentaram-se.
- O intervalo da Joice é o mesmo que o nosso?- perguntou Thiago
- Sim, ela deve estar por ai em algum lugar- Ângela olhou para os lados procurando-a.
- não encontro... Ah deixa pra lá – desistiu.
Alguns minutos depois ouviram gritos, como de uma torcida de futebol pedindo por mais gols.
Levantaram-se rapidamente e seguiram o som da multidão, assim como todos os outros na cantina fizeram. E abrindo espaço na multidão pra ver o que acontecia, Thiago viu um rapaz separando duas garotinhas que estavam brigando, era uma briga entre Joice e uma garota que se chamava Bruna, ela aparentava ser mais velha que Joice pelo seu tamanho, era loira e tinha um rosto fino como o de um rato. Seu nariz sangrava.
-o que está acontecendo aqui?- perguntou Thiago enquanto recebia varias cotoveladas da multidão. Todos pararam de falar e de se mexer esperando uma resposta, um silêncio tomou conta do local, Joice quebrou o Silencio dizendo “Essa intrometida leu meu diário! Depois me bateu daí eu revidei.”
-mentira!- berrou Bruna.
-Tudo bem- Disse Thiago antes que a confusão chamasse atenção do inspetor da escola- Vem comigo Joice – disse Thiago enquanto pegava a mão da garota e saía do local. Ele queria ficar longe de confusões, A realidade já estava ruim o suficiente sem confusões, porque procuraria por uma? Estava sendo a semana mais entediante pra ele, ter que ficar em casa sozinho todas as tardes esperando sua mãe chegar à noite, ele simplesmente não agüentava mais aquela monotonia. Depois da briga tudo voltou a ser como era, todas as aulas foram cansativas.
-Odeio dever de casa- reclamou Vitor colocando as duas mãos sobre o rosto.
-Nunca pensei que fosse dizer isso. - disse Ângela fitando-os- mas... Parem de dizer que a vida é uma droga, não quero mais ouvir ninguém se queixar, isso é um saco!
O restante das aulas se passou em completo silêncio, pelo menos da parte de Vitor, Thiago e Ângela. E antes mesmo que a ultima aula acabasse a chuva forte já havia começado.