sábado, 6 de agosto de 2011

O herdeiro de Shesta - Capitulo cinco-

| -Reunião- |

Enfim o momento decisivo para Thiago. A noite fria veio de pressa e trouxe consigo uma chuva forte, o garoto estava ansioso, e observava a chuva pela janela de seu quarto, pensou seriamente em dizer pra sua mãe leva-lo no psiquiatra.
Bateram na porta de seu quarto.
-Pode entrar- disse Thiago sem desviar o olhar da janela.
Era sua mãe, com seu pijama de macaquinhos.
-Filho, precisamos conversar- disse ela com cautela.
Thiago virou-se e sentou em sua cama enquanto olhava sua mãe.
-Diga- disse ele.
- Essa chuva está provocando muitos acidentes, e é só por aqui, esta sendo difícil ir trabalhar desse jeito...
-O que quer dizer?
-Acho que devemos nos mudar, a morte da diretora da sua escola mexeu comigo também... O que acha?
- Pra onde?
- Eu ainda não sei. Você pode me ajudar a escolher- sugeriu a mãe sorrindo.
-Só não quero ir pra muito longe, Ângela e Vitor são meus únicos amigos de verdade. -
A mãe compreendeu, mas ainda não podia afirmar que não iriam pra longe, pois em sua mente ela deseja sair de Santa Catarina. Mesmo assim prometeu não se afastar.
-Quer alguma coisa?- Perguntou ela preocupada- um suco, talvez. Você anda bem estranho ultimamente, aconteceu algo?
- Sim, Eu caí da escada ontem, por isso to andando estranho. - brincou ele – Fica tranqüila, ta tudo bem mãe, valeu. - Maire sorriu e retirou-se do quarto desejando boa noite ao filho. Logo em seguida o telefone tocou.
-Pizzaria e restaurante do José, bom dia- Brincou Thiago já esperando que fosse Vitor.
- Você já fez melhor Thiago. - Respondeu Vitor. – O que queria? Ângela disse que você endoidou.
Ao fundo foi possível ouvir a voz de Ângela gritar: mentira!
-Onde você está Vitor?
-Na casa dela, vim pegar meu brinde da caixa de cereal. – disse ele.
“Crianção” disse a voz de Ângela ao fundo.
-Então, Vitor, eu realmente recebi uma visita estranha ontem à noite. Ou talvez eu tenha enlouquecido de vez. De qualquer forma vou ir até o local que eles pediram.
-Não faz isso cara, você vai morrer- disse Vitor- É obvio que eles querem matar você.
-Valeu pela ajuda- Ironizou Thiago- Eles disseram que viriam até aqui se eu não fosse até lá.
-Chame a policia- Aconselhou Vitor- Ela vai saber o que fazer.
-E se eu estiver realmente louco?
Agora era a voz de Ângela que dizia:
-Faz assim, chame a policia e um psiquiatra, problema resolvido.
-Eu vou até lá. – disse Thiago pensativo.
-Não- Disseram as duas vozes em uníssono.
-Eu vou com você- disse Ângela- me espere na frente da sua casa, ok?
-Eles disseram pra eu ir sozinho- disse Thiago- E se acontecer algo, é melhor que seja só comigo, não?
Vitor estava escutando tudo ao lado de Ângela.
-Bom, eu concordo. – disse Vitor.
Thiago pôde ouvir um tapa e um gemido do outro lado da linha.
-Você vai me esperar- disse Ângela.
-tudo bem- disse Thiago- mas se você se atrasar de novo eu vou sozinho.
-Não vou me atrasar- afirmou ela.
Os dois desligaram o telefone ao mesmo tempo. A ideia de ir alguém além dele o perturbava, resolveu então ir escondido, mas antes precisava que sua mãe saísse da sala. Obviamente Thiago levaria uma bronca se sua mãe soubesse disso.
Se passaram trinta minutos, Thiago havia cansado de esperar e resolveu descer até a sala, por sorte sua mãe estava dormindo. Ele abriu a porta com cautela e saiu de casa.
Chegando a seu portão viu seus dois amigos, por sua infelicidade eles pretendiam ir de qualquer jeito. Thiago conhecia seus amigos, mas ficou curioso em saber como Ângela havia convencido Vitor a vir. Vitor não é desleal aos seus amigos, mas é muito pessimista. Vitor não iria sem um revolver ou qualquer outra arma, mas apesar de tudo estava ali, e de mãos vazias. Thiago estava usando um pijama quadriculado, ele pegou o guarda chuva e saiu. Ângela também estava de pijama, todo negro com cruzinhas e caveiras, Vitor era o único que estava com roupas adequadas pra sair, pois ele tinha saído de casa com a permissão de seus pais. Que mal teria pegar um brinde de cereal com a amiga? Já Ângela e Thiago saíram de mancinho, nem Maire e nem Tereza deixariam seus queridos filhos saírem na chuva sem uma explicação plausível, e que explicação eles dariam? A rua escritor Indignus não era tão longe quanto eles pensavam, mas demorou pra chegar mesmo assim, por causa da chuva. No caminho um vento forte começou, e os garotos tentavam passar por ele sem perder o guarda chuva, seus ouvidos doíam devido ao frio. O vento havia parado, mas Ângela perdeu seu guarda chuva na batalha contra a ventania. Os meninos ficaram olhando pra Ângela enquanto seu pijama molhava, ela abaixou a cabeça e foi ficar do lado do Thiago para não se molhar. Ângela não gostou da ideia de ter que ficar em baixo do guarda chuva dele.
A chuva foi enfraquecendo enquanto eles caminhavam, Thiago percebera que sua amiga não queria dividir o guarda chuva com ele, e como ele também não se importava, resolveu ser um cavalheiro emprestando o guarda chuva para a garota enquanto água cobria a si próprio. Vitor foi até Thiago para os dois dividirem o mesmo guarda chuva. Thiago e Ângela foram explicando a Vitor tudo que havia acontecido o caminho todo. O tempo passou rápido. Foram até a casa número quarenta e dois.
-E agora? – Perguntou Vitor assustado – vamos embora.
Thiago olhou para Ângela e percebeu em seu olhar sínico que ela não acreditava no que havia contado. Então teve coragem de bater palmas. O portão era grande e branco, tudo estava escuro por dentro. A casa era branca e cinza, tinha dois andares, e havia um carro na garagem. As luzes da garagem acenderam, ouviu-se um barulho de porta abrir. Dário apareceu, e foi até o portão sorrindo, abriu-o.
- Sabia que viria- disse ele.
Ângela e Vitor ficaram assustados, pois aquele homem era exatamente como Thiago havia descrito. Quando Dário percebeu que havia mais duas pessoas com ele, direcionou um olhar de rejeição à Thiago.
-Pensei que tivéssemos dito pra vir sozinho. –disse Dário num tom severo.
- Eu precisava vir com alguém, como poderia confiar em invasores? – justificou Thiago- Além do que, eu poderia ter pedido a policia pra que aparecesse aqui no meu lugar. - Dário sorriu.
-Então você chamaria a policia e eu seria preso? Vocês humanos são muito ingênuos.
-Caramba! – Exclamou Vitor quebrando o clima tenso- Então era tudo verdade!
-Cala a boca Vitor. - pediu Ângela.
-Não posso deixar você entrar com eles- disse Dário a Thiago.
-Então eu não entro, são vocês que têm algo a contar, certo?
Thiago virou as costas e foi andando lentamente em direção a rua.
Dário suspirou bem fundo e disse:
-Tudo bem, mas não vou me responsabilizar por vocês, nem vou impedir se um dia alguém quiser apagar suas memórias.
Nenhum dos três entenderam, o que é bastante normal já que não entendiam nada desde o dia anterior. Dário convidou as crianças a entrarem, fechou o portão e foi caminhando num corredor que dava em outra porta. As crianças seguiram o mago, inseguras. Dário abriu a porta dando passagem para eles entrarem. Era um cômodo enorme, cheio de quadros e artefatos de madeiras na estante, e no centro tinha uma mesa grande e redonda, havia vários acentos vazios. Em volta à mesa estavam sentadas três pessoas, o que dava uma impressão de que a mesa estava maior ainda, deveria ter uns oito acentos vazios. Uma das três pessoas era Arth, que sorria acenando com a mão, estava com a mesma roupa do dia anterior só que sem a touca, suas orelhas pontudas estavam à mostra e no centro de sua testa havia um desenho que Thiago não havia visto antes devido a touca que tapava as orelhas e a testa do elfo, um símbolo indistinguível no momento. A segunda pessoa era uma garota morena e linda, olhos um pouco puxados, verdes e profundos. Seu cabelo era enorme e liso, lembrava muito uma musa egípcia. A terceira pessoa era um velho com uma barba que chegava até seu peito, não havia foco em seus olhos, como se ele tivesse perdido e visão há muito tempo. Era possível ver em sua face que ele já havia vivido muito e passado por diversas coisas, incluindo batalhas, pois o velho tinha algumas cicatrizes. Suas roupas eram típicas de um mago em filmes medievais, usava um manto azul e negro, e segurava um cajado de madeira com uma pedra laranja na ponta.
-Você!- Exclamou Ângela. Vitor e Thiago se entreolharam sem entender.
-Droga- disse a musa egípcia para Arth que sorria- ela tem uma boa memoria, daria uma boa maga.
-Aposto que Dário nem lembra o que comeu ontem- brincou Arth.
Dário direcionou um olhar rígido para Arth que fazia agora um gesto de desculpas com a mão. Ângela sentiu-se segura, não era todo dia que recebia um elogio de uma mulher tão bonita, digamos que ela começou a se dar conta só nesse momento que também possui ego. O velho continuava imóvel, como uma rocha.
-Vitor! Você não se lembra dela?- perguntou ao amigo que fazia agora um movimento negativo com a cabeça.
-A moça do mercado, seu asno!- Vitor olhou fixamente para a mulher, e percebeu que Ângela tinha razão.
-A chorona!- Exclamou Vitor
-Era só um teatro- disse a moça com rispidez- Estou infiltrada em uma gangue de monstros que adorariam um pedaço do seu amigo.
Thiago já sabia que estavam falando dele.
-Sentem-se- disse o homem velho calmamente e inexpressivo.
Todos respeitaram seu pedido mesmo não o conhecendo, não era preciso conhecê-lo melhor pra saber que ele era um homem sábio, e que merecia total respeito. Até mesmo Ângela obedeceu sem dizer nada. Vitor nem sequer demonstrou desconfiança ou pessimismo como fazia sempre. Agora todos estavam sentados, um próximo do outro. O lugar se manteve em silencio por alguns segundos.
-Porque trouxe seus amigos?- disse o mago velho calmamente.
-Talvez seja porque eles são meus amigos- respondeu Thiago ironicamente.
-E desde quando levar os amigos ao perigo é sinal de afeto?
Todos ficaram em silencio, sem respostas Thiago permaneceu quieto.
-É sinal de bravura- disse o mago enquanto olhava a todos- se eles vieram por vontade própria e sabendo dos riscos continuaram a acompanhar Thiago, eles merecem estar aqui.
-Como sabe meu nome? – Perguntou Thiago confuso.
-Sei o nome até mesmo de seu filho, meu caro rei.
-Rei?- Riu Ângela – ele mal consegue manter a ordem enquanto cuida de crianças.
-Ele ao menos consegue manter a língua atrás dos dentes na hora certa. – respondeu o mago com rispidez.
Ângela sentiu sua alma gelar, sentiu-se como a garota mais mal comportada do mundo. Depois de alguns segundos, ela sorriu e ficou feliz por isso.
O mago olhou para Thiago com seus olhos azuis e sem brilho, e disse:
-Já que aqui estão. Os três serão devidamente treinados fisicamente e psicologicamente.
-Falando em psicológico, não estou muito bem da cabeça- disse Vitor- Acho que não preciso treinar, eu vou pra casa, amanhã vou passar no médico e...
-Não precisa Temer Vitor- disse o mago sorrindo- Você está seguro.
Vitor teve a impressão de que o mago já o conhecia há anos.
-Me chamo Tíma- disse o mago- e a moça que ainda não conhecem, se chama Caássika.
A moça sorriu para os garotos.
-De que monstros você se referia?- perguntou Thiago para a moça.
-Foi uma maneira de dizer, anjo. – disse Caássika num tom doce. – Eles são humanos, elfos negros, mas são monstros de coração.
- E o que eles querem de mim?
-Antes de contar- disse Tíma- preciso que Ângela saia deste local.
-Por quê? – disse ela inconformada- não vou sair daqui!
-Você não está preparada pra ouvir o que eu tenho a dizer.
-Eu sei quando estou ou não preparada! Seu velho idio...
Imediatamente Dário estalou os dedos, Ângela desaparecera numa explosão de fumaça negra, que se dissipou no ar.
-Mas que diabos... – disse Thiago assustado.
-Eu disse que não era uma boa ideia vir- disse Vitor igualmente assustado.
-Relaxem- disse Arth sorrindo- Dário só a teletransportou para um lugar longe e seguro. Mas encarem isso como o primeiro ensinamento de vocês sobre a magia. Quanto menor o poder mágico de alguém, mais sujeito a magias simples esse alguém vai estar.
-Sério- disse Vitor boquiaberto- Eu estou muito assustado, mas não deixo de pensar que isso é demais, é como nos jogos de tabuleiros, ou card-games. Existem elfos, e magos. Aposto que existem dragões e orcs também.
-Garoto esperto. –disse Arth sorrindo.
-Existe mesmo?- disse Thiago incrédulo- Onde fui me meter?! De qualquer forma, o que tinha pra dizer que Ângela não poderia ouvir?
O mago sorriu enquanto mexia seus dedos finos e enrugados na mesa.
-Você, Thiago Armani, é agora rei de Assur, pois seu filho está destinado a ser Shesta. -disse o mago seriamente.
-Não, eu sou o Thiago Armani- disse Thiago firmemente- estudante do segundo ano da escola Romeo de Dantas. E o que é Shesta?
-Ah, Não!- disse Vitor que acabara de perceber algo- Thiago, se Ângela não podia ouvir isso, é por que...
-Ela será a mãe- disse Tíma sorrindo.
Thiago levantou-se da cadeira horrorizado, olhou para Arth que afirmava com a cabeça. Ele olhou para
Caássika, ela apenas sorriu gentilmente.
As mãos de Thiago tremiam, Dário colocou sua mão direito sobre o ombro do garoto. Thiago direcionou um olhar de incredulidade para Dário.
-E-eu- gaguejou. – Como podem ter certeza?
-Tíma é um mago que dedicou sua vida a se especializar em magias relacionadas ao tempo, seja ele presente, passado ou futuro. –Explicou Dário.
-Então você previu que Thiago e Ângela seriam pais de um rei?- perguntou Vitor a Tíma. – Isso ainda não faz sentido.
- Vou explicar- disse Tíma- Há muitos anos, tantos anos quanto se pode contar. Um Mago muito poderoso havia criado seu próprio feitiço, esse mago queria alcançar a imortalidade, e era nisso que consistia sua magia. Ele demorou anos até que a técnica ficasse perfeita, porém essa magia só poderia ser utilizada usando outra pessoa. Se eu quisesse alcançar a imortalidade, teria que usar essa magia em qualquer outro individuo, dessa forma o individuo geraria a mim. Mas sua magia não é de total perfeição, demora anos até o mago renascer.
Algum dos seus ancestrais, Thiago, foi vitima dessa magia. E você é a ultima geração antes que Shesta renasça.
-Então esse tal de Shesta, antes de morrer, usou essa magia em algum parente meu, graças a isso eu sou obrigado a ter um filho rei? – disse Thiago inquieto.
-Com Ângela- Lembrou Vitor.
- E se eu não quiser? – perguntou Thiago.
-Nosso mundo estará arruinado. – disse o mago calmamente.
- Quem tem a capacidade de acabar com o mundo? É muito grande, existem bombas nucleares e...
Tíma o interrompeu rapidamente dizendo:
- Não me refiro ao seu mundo, herdeiro, este já não tem salvação. Refiro-me ao nosso mundo, meu, de Arth, Dário e Caássika.
-Por mais egoísta que isso pareça ser não pretendo ter filho algum com Ângela, muito menos arriscar minha vida para salvar um mundo que é desconhecido por mim. –Thiago havia deixado aquela expressão insegura e assustada. Agora ele estava sério, e convicto de sua escolha. –Eu só tenho dezesseis anos, não estou disposto a largar tudo por vocês.
O mago já esperava essa resposta, mas Dário e os outros ficaram impressionados com o que o garoto acabara de dizer, não esperavam que Thiago pudesse ser tão racional, e frio.
Mas não demorou muito até Thiago se arrepender de suas palavras.
-Mas eu pensava que você tinha dezoito!- exclamou Arth acabando com o clima tenso.
-Eu sinto muito pessoal- Continuou Thiago que tentava ser mais amigável com as palavras. - Espero que entendam...
-Eu entendo- disse Tíma- e é exatamente por isso que quero lhe oferecer algo em troca.
A reunião havia tomado um rumo completamente diferente do que esperavam. O que era somente um pedido acabou se tornando também parte de uma proposta.
Dário ficou pasmo como se já soubesse o que o Tíma estava disposto a fazer.
-E o que seria?- perguntou Thiago já imaginando como deveria recusar a proposta. Ele não acreditava que pudesse existir algo que lhe fizesse jogar fora sua vida.
- Como você já sabe- disse Tíma olhando nos olhos do garoto- Eu sou um mago com especialidade no tempo, você acha que eu poderia ser útil pra você de alguma forma? Posso levar você a qualquer ano, qualquer dia, hora ou segundo. Mas se quiser saber do futuro, não poderei te dar uma visão tão clara, já que ele não é exato. Dessa forma o máximo que vai saber sobre o futuro será através de imagens borradas.
-Foi assim que conseguiu prever que só eu posso ser o pai de Shesta? – perguntou Thiago ainda confuso.
-Embora eu tenha visto imagens borradas, tenho certeza do que vi. Irei responder antes que pergunte- disse Tíma - Se Ângela ou você tivessem filhos com outras pessoas, nosso futuro rei não nasceria. Mesmo que a magia de imortalidade esteja em sua essência, e não na de Ângela, procriar com outra seria como uma quebra de feitiço, pois Ângela foi destinada a ser mãe de Shesta, foi assim que eu vi. E é exatamente por isso que ela não pôde ouvir essa conversa.
-Como assim?- Perguntou Vitor.
-Ela ama Thiago mais do que imagina, só não sabe disso ainda. E se ela soubesse que seu destino é ter um filho com Thiago, provavelmente impediria a si mesmo de sentir algo maior por ele.
-Espere ai – disse Vitor sorrindo- está querendo dizer que Ângela evitaria ao máximo sentir algo maior por alguém?
-Exatamente- respondeu Tíma.
-Como a conhece tanto?- perguntou Vitor boquiaberto- só faltou dizer que ela, mesmo quando senti algo por alguém, prefere morrer a admitir.
-E é por isso que as coisas devem acontecer naturalmente- disse o mago- ela é uma garota muito complexa, seria difícil pra todos se ela soubesse disso.
Thiago teve que admitir.
-Então?- perguntou Tíma - posso fazer algo por você?
-Posso alterar o presente?
-Não, você pode somente assistir o que aconteceu, você não vai estar lá de verdade. Do contrario eu voltaria no tempo e resolveria eu mesmo nosso problema.
Thiago não havia pensado nisso. Continuou pensando por alguns segundos.
-Eu sei oque vai pedir- disse Vitor.
-O que?- Perguntou Thiago- tem algo que queira sugerir?
-Não, mas você sempre quis saber sobre seu pai.
Só agora Thiago havia se lembrado que não tinha um pai. Muitas coisas estavam acontecendo, tantas que até tinha se esquecido da frustração que é ter um pai ausente. Maire era não só uma mãe como um pai também. Era impossível sentir falta do seu pai, mas era triste sentir falta de um pai. Sua mãe apesar de bonita, nunca tivera sorte com seus romances. E se tinha uma coisa que Thiago queria naquele momento- e durante toda sua vida- era encontrar seu pai. Pedir pra ele dar uma boa razão pra ter feito o que fez antes de dar umas boas pancadas em seu rosto.
-Quero voltar até o momento em que meu pai partiu- Thiago estava nervoso, mãos geladas, suor frio, punhos cerrados. Ele nunca vira seu pai antes, e só de pensar nessa possibilidade lhe gelava o coração.
-Não tão depressa. – disse Tíma secamente- Não levarei você sem que antes prometa livrar Assur do perigo. Quero que prometa dedicar-se ao máximo para salvar nosso povo de qualquer perigo que venha a aparecer.
-Eu prometo dedicar-me ao máximo para salvar seu povo de todos os perigos!- exclamou Thiago firmemente.
Vitor reconheceu de imediato aquela expressão, aquele olhar firme, o tom de voz inabalável. Ele sabia que seu amigo cumpriria aquela promessa.
-Muito bem- disse Tíma satisfeito.
-Não!- exclamou Dário com raiva- Você não pode fazer isso, Tíma, é loucura. Se você fizer isso mais uma vez é provável que...
-Acalme-se Dário- interrompeu Tíma fitando-o fixamente- Eu já me decidi.
-Eu poderia levar alguém comigo?- perguntou Thiago ignorando tudo que acabara de escutar.
Ele não estava se importando com a cisma de Dário, o desejo de encontrar o pai era tão grande que ele nem ao menos pensava se isso era realmente uma boa ideia
- Somente uma pessoa- respondeu Tíma.
Vitor olhou para Thiago, suplicante.
-Eu quero que Vitor venha comigo.
-Opa!- Exclamou Vitor sem jeito- É uma honra, mas não gosto de viagens no tempo, sabe?! É que nunca da certo, na verdade estou até arrependido de ter lembrado você desse velho desejo.
-Por favor- pediu Thiago- Eu...
-Você tem com quem ir sim- disse Vitor como se soubesse ler pensamentos- chame Ângela, você vai ter que passar a vida inteira com ela. É melhor conhecê-la mais afundo, não acha?
Thiago sabia que Vitor tinha razão. Mas odiava a ideia de ter que namorar Ângela, ela era tão... Tão fria e desajeitada.
- É. Farei isso. - disse Thiago com firmeza, ele não queria, mas já havia percebido há muito tempo que nem tudo que queremos conseguimos. Olhe só pra situação do rapaz, disposto a governar um reino sem nem ao menos cogitar a impossibilidade de fazer isso, só pra poder encontrar seu pai uma única vez. Algumas horas atrás ele pensava estar louco, agora nosso querido Thiago estava ali, prestes a viajar no tempo. Loucura, não?
-Dário- ordenou Tíma- traga Ângela de volta.
Dário ainda estava nervoso, só que bem mais conformado que antes. Ele não olhava no rosto de ninguém naquele momento. Ele não queria que Tíma morresse, pois é isso que aconteceria se o mesmo voltasse no tempo mais uma vez. O tipo de magia que o mago Tíma dedicara a vida inteira, era complexa, e por mexer com uma das leis naturais, era também consumidora.
Tíma tinha apenas novecentos anos, era um adulto, um pouco mais velho que Dário e Arth, mas graças a sua própria magia, ele estava corroído pelo tempo. A magia apesar de não ser um individuo, muitas vezes é irônica. E Thiago, em breve sentiria o peso de uma escolha precipitada.
-Como quiser- disse Dário estalando os dedos novamente.
Ângela caiu sobre o centro da mesa, aparecendo da mesma forma que sumiu.
-Eu não acredito!- gritou ela- Como pode fazer isso comigo?
-Ei, gatinha, acalme-se. – disse Caássika sorrindo- Os homens são assim mesmo, vai ter que acostumar-se com isso.
Era impossível para Ângela não se sentir feliz. Gatinha? O modo como Caássika a tratava era incomparável. Fazia parte de sua natureza, ser doce com as pessoas, dar mais uma rajada de ar aos pulmões de quem a tratava bem, porém, quando nervosa poderia acabar com alguém sem hesitar.
-Lá vem você com essa história!- Exclamou Arth- feminista.
-Cala a boca, Elfo. - respondeu Caássika mostrando a língua para Arth.
Ângela sentou-se ao entre Arth e Caássika, enquanto olhava Thiago ferozmente. Porém, Thiago estava tenso demais, e Ângela percebera que ele não se importaria se ela estivesse aborrecida ou não.
-Ângela- disse Tíma- Thiago quer que você volte ao passado com ele, pra que possam descobrir o paradeiro de Cesar.
Ângela olhou assustada para Thiago.
-Ele... Ele não é seu Pai?- perguntou ela ao amigo.
-Sim, Ângela- Thiago deduziu que não tinha importância perguntar como Tíma sabia o nome de seu pai. Apenas conformou-se.
-Por que eu?- Perguntou Ângela indiferente- Vá com Vitor.
-Ele vai ficar aqui, descobrindo uma maneira de me ajudar. – disse Thiago sério enquanto olhava para Vitor. Vitor, mesmo acreditando que tudo vai dar errado, decidiu ajudar seu amigo até que tudo se resolva.
-Ajudar em que?- perguntou Ângela confusa- perdi muita coisa?
-Sim- disse Dário. – Thiago está destinado a ter um filho que se tornará rei de Assur, um lugar em Midgard. Sendo assim ele é nosso novo Rei, inicialmente ele recusou esse titulo, mas mudou de ideia quando lhe foi oferecido uma viagem no tempo. O resto ele te conta no caminho. Você está realmente certo disso Tíma?
-Sim, meu caro amigo. – disse o mago do tempo sorrindo- E quero que você fique com este cajado.
O cajado era bonito, uma madeira brilhante, cheia de símbolos e escrituras em uma língua indistinguível para os humanos da terra. Ângela pôde ver os olhos de Dário lacrimejar.
-Eu não posso aceitar, Tíma. Tenho que entregar ao conselho, só ele pode decidir...
Dário foi interrompido por Tíma que estava nesse momento esticando o braço pra que Dário aceitasse o presente.
-As regras só valem pras pessoas que confiam cegamente nas mesmas. Não seja tolo, você tem andado muito na linha desde que... Bom isso não importa, além do que, aqueles velhos do conselho estão caducos demais pra decidir alguma coisa, não acha?
Dário deu uma risada.
-Olha só quem fala, sua barba está quase arrastando no chão. – brincou Dário enquanto pegava o cajado.
-É só uma questão de tempo, até que esse filhote de esquilo cresça em seu queixo. – disse Tíma. Dário sabia que era uma despedida, Caássika havia fechado os olhos, pra que não chorasse.
Já Arth não agüentou, e chorou. Suas lágrimas eram como água cristalina.
Thiago, Vitor e Ângela não entenderam nada. Principalmente Ângela que ainda estava digerindo informações.
-Midgard?- perguntou Vitor ignorando a choradeira de Arth- eu pensei que Midgard fosse o nome dado a terra pelos Deuses nórdicos.
-Exatamente- disse Dário- mas não à sua terra, suas informações sobre a mitologia nórdica está distorcida. Eu vou explicar tudo depois, ok? Você será o meu primeiro aprendiz.
-Vou ser um mago?- disse Vitor boquiaberto de emoção- Com direito a cajado e tudo o mais?
Dário aproximou-se de Tíma e deu-lhe um beijou em sua mão cumprida e magra.
- Até mais Tíma- ele sabia que era só um até mais, sempre é. Não existe um Adeus de verdade, não na morte.
-Eu hein- disse Vitor ingenuamente- Parece até que alguém vai morrer!
Tíma pediu pra que Thiago e Ângela tocassem em sua mão. Todos saíram da mesa deixando apenas os três. Uma camada amarela se formou em torno de toda a mesa. Tíma sorriu para todos que estavam fora da mesa, e disse algo que somente Thiago e Ângela puderam ouvir.
Então Thiago, Ângela, Tíma, a mesa e todas as cadeiras sumiram. Como se tivessem sido consumidos pelo ar, em uma velocidade igual a do som.
Arth ainda chorava, Caássika o consolava.
-Loucura. - disse Vitor.
-Queria saber o que ele havia dito antes de partir- disse Dário suspirando- Vamos, garoto, tenho que te ensinar algumas coisas.

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